Aviso: na biblioteca de Jacinto não se aplicará o novo Acordo Ortográfico.

27 julho 2007

Empréstimo ou aluguer? (2)

Quem me conhece, mesmo que só aqui deste vosso espaço, sabe que eu sou uma rapariga imparcial. Demonstrei-o suficientemente, na altura do referendo ao aborto, apresentando argumentos de um e outro lado, apesar de eu própria ter uma posição sobre o assunto.
Faço o mesmo em relação à questão do empréstimo pago nas bibliotecas. Por essa razão transcrevo aqui, integralmente, sem correcções à pontuação e sem qualquer censura, o artigo publicado no site da Sociedade Portuguesa de Autores. Os destaques são os originais.
Espero que a SPA não me venha cobrar direitos...

«Transposição Incorrecta de Directiva Comunitária
«O Tribunal de Justiça Europeu (TJE), por acórdão de 6 de Julho último, decidiu que a República Portuguesa transpôs incorrectamente para a ordem jurídica nacional a directiva comunitária relativa ao direito de aluguer, ao direito de comodato e a certos direitos conexos ao direito de autor. Isto é: o TJE considerou que o Estado português, ao isentar, do pagamento da remuneração devida aos autores, a generalidade das instituições que entre nós emprestam livros e outras obras protegidas, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força de tal directiva.

«"Uma isenção que isenta todos não é uma isenção, mas a anulação da obrigação subjacente" - diz, numa conversa com a "Autores", o colaborador da SPA na área jurídica Dr. João Laborinho Lúcio, que tem vindo a acompanhar o desenvolvimento desta questão.

«As consequências reais da decisão do TJE em breve serão conhecidas - mas a SPA sublinha que atempada e repetidamente tomou posição sobre esta questão, protestando contra a forma, canhestra e com anos de atraso, como o Estado português transpôs tal directiva, prejudicando gravemente os autores nacionais. E tinha razão, como agora se vê. Falta ver como serão os autores portugueses ressarcidos.

«Legisladores autistas. "A transposição da directiva em causa foi feita através do decreto-lei 332/97, de 27 de Novembro e importava, portanto, que o legislador nacional tivesse seguido as directrizes emanadas do dispositivo legal comunitário, sem prejuízo da liberdade que a mesma lhe confere, mas dentro dos seus limites" - começou por destacar João Laborinho Lúcio.

«Contudo, não foi isso o que aconteceu: "A forma como o legislador nacional ampliou a exclusão de não remunerar o direito exclusivo de comodato não a determinadas categorias de estabelecimentos, como impunha a directriz, mas a todos os estabelecimentos que promovem o comodato público é, em nosso entender, claramente violadora dos direitos dos autores porquanto estes, em circunstância alguma, vêem a utilização pelo comodato do seu trabalho criativo remunerada" - acrescentou JLL.

«Mais grave ainda: o legislador nacional, apesar de insistentemente alertado pela SPA, fez ouvidos de mercador. João Laborinho Lúcio explica como: "O governo defendeu a abrangência do conjunto de estabelecimentos beneficiários da isenção com o fundamento de que o estado de desenvolvimento cultural do país e a necessidade de incentivar a leitura aconselhavam a usar, de uma forma extensiva, a possibilidade de aplicação da isenção. E aí o governo viu a sua posição fortemente apoiada quer pelo Instituto Português do Livro e da Biblioteca quer pela Associação Portuguesa de Bibliotecários, Arquivistas e Documentalistas".

«Ora - diz JLL - "a SPA sempre entendeu que o governo tinha feito um uso excessivo da faculdade constante do artigo 5º, nº 3 da Directiva, ao estender o benefício da isenção a um número tão alargado de estabelecimentos. Dificilmente se encontra em Portugal uma entidade que proceda ao comodato de originais ou cópias de obras intelectuais protegidas que não se reconduza às categorias contempladas na lei".
«A SPA sempre assim entendeu e alertou em tempo útil, repetidas vezes, quem de direito. Mas em vão: o pior surdo é o que não quer ouvir.

«Argumento ultrapassado. Recorda o jurista: "Não deixando de ser sensível aos argumentos adiantados pelo governo, a SPA defende, como sempre defendeu, que a promoção da cultura e do acesso à mesma não poderão nunca ser prosseguidas desprotegendo o autor e o Direito de Autor, sob pena de não serem alcançados os objectivos pretendidos mas o seu inverso. "Aliás" - destaca - "velha é já a discussão entre a alegada bifurcação entre o direito de acesso à cultura e o direito à criação intelectual e respectiva protecção dos autores e dos seus direitos, dois direitos estribados na lei fundamental. Parece-nos, contudo, que esta bifurcação é aparente, pois que ambos os direitos só podem conduzir a um mesmo fim".

«Em abono desta tese, João Laborinho Lúcio diz depois: "Nunca é demais ressaltar um dos pensamentos saídos do II Congresso Ibero-Americano de Direito de Autor e Direitos Conexos de Lisboa (1994), a ele trazido por Carlos Alberto Villalba, um perito da OMPI (Organização Mundial de Propriedade Intelectual) segundo o qual a participação significativa na vida cultural e a utilização dos benefícios do progresso científico só são possíveis se existir uma protecção efectiva dos direitos de autor e uma conservação adequada da herança cultural. Na realidade, os primeiros necessitados de aceder às obras intelectuais são os criadores já que toda a criação procede de uma ordem cultural onde existe intercomunicação. A criação não procede do nada, o criador, em especial o criador de obras literárias e artísticas, tem pelo mesmo acto da criação uma incoercível necessidade de que a sua obra seja difundida e conhecida.

«Trata-se, portanto, de um argumento ultrapassado e desprovido de sentido, o da alegada dicotomia entre o direito de acesso à cultura e o direito de autor".

«Um pouco de história... Em resultado necessário e directo da forma como o Estado português transpôs a directiva comunitária n.º 92/100/CEE, a Comissão das Comunidades Europeias intentou contra a República Portuguesa o processo a que veio a ser dado o número C-53/05.

«Em síntese, a Comissão alegou que o artigo 5.°, n.°3 da directiva permite que os Estados-membros isentem "determinadas categorias" de estabelecimentos do pagamento da remuneração normalmente garantida pelo artigo 5.°, n.°1, em derrogação dos direitos exclusivos de comodato conferidos pelo artigo 1.°.
«No entanto, o artigo 6.°, n.°3, do Decreto-Lei 332/97 isenta todas as bibliotecas públicas, escolares, universitárias, museus, arquivos públicos, fundações públicas e instituições privadas sem fins lucrativos. Por conseguinte, a derrogação abrange todos os serviços administrativos centrais do Estado, os organismos da Administração indirecta do Estado, como os institutos públicos e as associações públicas, todos os serviços e organismos da Administração Local, todas as pessoas colectivas de direito privado que desempenhem funções de natureza pública e até mesmo escolas e universidades privadas e instituições privadas sem fins lucrativos.

«Diz João Laborinho Lúcio: "Esta lista inclui todos os estabelecimentos que emprestam a título gratuito, portanto, todos os organismos que praticam o "comodato" nos termos do artigo 1.°, n.°3. Uma isenção que isenta todos não é uma isenção, mas a anulação da obrigação subjacente. Da transposição do artigo 5.° da directiva efectuada pela República Portuguesa resulta que nenhum estabelecimento que pratique o comodato público está obrigado ao pagamento da remuneração prevista no artigo 5.°, n.°1. Isto viola o direito de comodato exclusivo e a protecção que lhe confere a directiva".

«No âmbito deste processo, e depois das Conclusões da Advogada Geral Eleonor Sharpston apresentadas em 4 de Abril de 2006 que foi de opinião de que a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 5.º, conjugado com o artigo 1.º, da directiva, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção), por acórdão de 6 de Julho de 2006, decidiu que a República Portuguesa, ao isentar todas as categorias de estabelecimentos que praticam o comodato público da obrigação de remuneração devida aos autores a título de comodato, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 1.º e 5.º da Directiva 92/100/CEE do Conselho, de 19 de Novembro de 1992, relativa ao direito de aluguer, ao direito de comodato e a certos direitos conexos aos direitos de autor em matéria de propriedade intelectual.

«... e várias perguntas. Neste contexto, no ar ficam várias e pertinentes interrogações, como aponta João Laborinho Lúcio: "Sabendo-se de antemão, e não obstante a decisão ora proferida pelo Tribunal de Justiça, que o art. 5.°, n.°3 da directiva foi incluído para responder ao desejo de Estados-membros que pretendiam conservar a faculdade de isentar apenas as bibliotecas dos estabelecimentos de ensino e as bibliotecas públicas da obrigação de pagamento do direito de comodato público, pergunta-se se a opção legislativa nacional que não permite efectuar uma distinção válida entre as categorias de estabelecimentos não conduz, ao contrário do que se pretendia, à obrigação de impor a todos os estabelecimentos em causa o pagamento da remuneração em questão.

«Seja de que forma for, e responda-se como se responder à questão anterior, permitimo-nos levantar a questão de saber em que medida é que os autores ficaram lesados por não terem visto ao longo de anos o seu trabalho criativo devidamente remunerado por força da publicação de uma norma legal em clara violação de outra norma comunitária, e de que forma poderão ver esses seus eventuais danos devidamente ressarcidos".»

25 julho 2007

Empréstimo ou aluguer?

Não posso ficar indiferente a uma (mais uma) aberração imposta pela União Europeia. A história já é antiga e vou contá-la com as palavras da Luísa Alvim (os destaques são meus):

«A Comunidade Europeia aprovou, em 1992, uma directiva relativa ao direito de comodato e a certos direitos conexos de autor em matéria de propriedade intelectual, passando as bibliotecas, museus, arquivos e outras instituições privadas sem fins lucrativos a ter que pagar pelo empréstimo público dos seus documentos abrangidos por estes direitos de autor.
«Depois de algumas intervenções em defesa pelo não pagamento, e lembro a famosa petição portuguesa em favor do empréstimo público gratuito nas bibliotecas, patrocinada pela BAD (Associação de Bibliotecários, Arquivistas e Documentalistas), com 20.000 assinaturas em 2004, a situação é de condenação pelo Tribunal de Justiça da União Europeia sobre Portugal que isentou todas as categorias de estabelecimentos que praticam o comodato público da obrigação de pagar aos autores.
«Esta é a grande questão. Actualmente, a Assembleia da República terá que apresentar uma proposta de lei diminuindo o número de isenções ao pagamento da remuneração pelo empréstimo público de documentos.
«Entendo que esta normativa europeia e o decreto-lei vão contra todos os princípios que os profissionais da informação defendem e lutam, desde sempre, em apoiar a disponibilização de documentos que possibilitem a educação individual, a autoformação, a educação formal, o oferecer possibilidades de um criativo desenvolvimento pessoal, o estimular a imaginação, o promover o conhecimento e o apreço pelas artes e inovações científicas, o facilitar o acesso às diferentes formas de expressão cultural, o fomentar o diálogo inter-cultural, a assegurar o acesso dos cidadãos a todos os tipos de informação à comunidade, nas instituições públicas e privadas onde trabalham de forma gratuita, explícitos no Manifesto da UNESCO sobre Bibliotecas Públicas, no Código de Ética.
«Princípios defendidos internacionalmente pela IFLA (International Federation of Library Associations and Institutions) e pela EBLIDA (European Association of Library Information and Documentation Associations).
«A missão das bibliotecas sempre foi garantir aos cidadãos o acesso livre ao conhecimento, à cultura e à informação. O papel das bibliotecas públicas, escolares, universitárias, e outras, em Portugal, nos últimos anos é inquestionável no exercício das suas missões sociais e culturais.
«A BAD, apesar de defender estes princípios, optou, e muito bem, por apresentar uma proposta de alteração da lei, à Comissão da Assembleia da República, no sentido de salvaguardar algumas questões, como o não pagamento de direitos de autor pela consulta presencial de documentos nas bibliotecas, o mesmo se passando com o empréstimo inter-bibliotecas e a transmissão de obras em rede.
«Relativamente ao empréstimo de documentos, que seja pago não pelo utilizador/cidadão mas pelos organismos que tutelam as bibliotecas (Ministério da Cultura/Câmaras?), e que este pagamento não se repercuta nos orçamentos das bibliotecas.
«Ainda não sabemos como a lei vai figurar em Portugal, mas sabemos que já não é possível que a utilização de documentos seja disponibilizada gratuitamente nas
bibliotecas
. É necessário continuar a falar sobre este assunto, e de outras questões associadas, como o estabelecimento dos critérios para a fixação da remuneração a pagar, etc.
«O papel dos profissionais da informação, e das associações, terá que ser de sensibilizar a opinião pública para a "indiscutível" defesa do direito à informação gratuita disponibilizada pelas instituições públicas, na nossa dita "sociedade democrática".

«1. Solicito que reenviem esta mensagem, manifestem-se e discutam nos blogues, linkem os posts sobre este assunto entre blogues, escrevam nos jornais e em artigos nas redes sociais e fóruns, pelo menos não fiquemos calados quando nos pedirem alguns cêntimos pela consulta de um livro que precisamos para estudar ou para os nossos filhos aprenderem, numa qualquer biblioteca.
«2. Aconselhemos os nossos amigos - Autores - (de livros, música, bd, cinema, etc.) que disponibilizem os seus conteúdos em livre acesso, com etiquetas de Creative Commons, GNU License (documentos-software), copyleft, etc. e prescindam dos direitos de autor, sempre que as suas obras sejam consultadas/emprestadas em bibliotecas, arquivos, centros de documentação e museus.»

Agradeço à Luisa Alvim ter-me enviado esta mensagem.

Também o Adalberto deu a sua valiosa contribuição para este debate, esclarecendo-nos acerca das causas mais profundas e obscuras de tamanha aberração.

Claro, como directiva comunitária que é, não nos afecta só a nós. Também em Espanha e Itália os bibliotecários se têm batido contra o empréstimo pago. Em Itália há mesmo uma petição de autores contra esta legislação.

Quanto a mim, voltarei ao assunto. Na biblioteca de Jacinto, claro, o empréstimo é e continuará ser sempre gratuito. Jacintus Galeanus dixit.

23 julho 2007

Homens!

A J. estava lavada em lágrimas. Eu reparei nisso desde manhã, via-a muito cabisbaixa, umas olheiras até ao queixo. De roda dela, como que a protegê-la de olhares curiosos ou maledicentes, D. não a largou toda a manhã. Almoçou com ela, no canto do snack, ao pé da janela, só as duas. Percebia-se o clima de drama doméstico. A seguir ao almoço não resisti. Puxei D. para um canto e perguntei-lhe o que se passava com a J.
«O A., que é que tu queres? A pobrezinha está p'ra ali um trapo!». Não podia ser, quem diria, o A.?... o que é que ele...?
«Não adivinhas?» Adivinhava mas nem queria acreditar. Não, o A. não seria capaz.
«Pois eu digo-te que sim. É mesmo o que estás a pensar.»
«Não pode...»
«Tanto pode que fez! Ele contou-lhe o fim do Harry Potter!»
Filho da mãe... Os homens são mesmo todos uns sacanas!

Um acontecimento feliz

Aqui, na biblioteca de Jacinto, é ocasião de grande felicidade. Acabo de saber que, no dia 17 de Julho, os meus amigos Dorian e Eloise tiveram a sua pequenina Giselle. Os meus votos atravessam o grande mar oceano, para lhes desejar que os progressos deste século só lhe tragam alegrias!

Best wishes to you Dorian, Eloise and Giselle! May Alah be with you.

20 julho 2007

A nova poltrona

A biblioteca de Jacinto adquiriu mais uma poltrona, generosa oferta da Celina a quem agradeço penhoradamente.

16 julho 2007

Iberismo (a propósito desta entrevista a Saramago)

Costumo dizer que tenho estômago de avestruz. Graças à Natureza, que me dotou de bons genes, tenho saudáveis digestões que me permitem comer praticamente de tudo, desde alheiras a iogurtes fora de prazo, sem sofrer abalos estomacais.

Pelo contrário, o meu estômago é muito sensível aos abalos morais. Há coisas que me deixam mal disposta, às vezes, mesmo, à beira de um refluxo gastro-esofágico. E não são poucas essas coisas. Uma delas é o iberismo. Confesso, sou uma patriota à maneira antiga, daquelas que se enrolariam românticamente na bandeira, de olho em alvo, pronta a gritar «independência ou morte!» ao primeiro assomo fronteiriço da tropa castelhana. Levanto-me em silêncio quando tocam o hino nacional, esteja onde estiver, em casa ou num lugar público. Quando vou a Espanha, olho melancolicamente o pôr-de-Sol e penso: «Ali é Portugal...»; «Ali há sopa...»; «Ali há pão de centeio...»; «Ali há café...»; «Ali há pastéis de bacalhau...». Quando regresso, emociono-me ao ver o nome Portugal nas placas azuis rodeadas de estrelinhas e corro em busca da primeira baiuca de estrada para beber uma bica ou comer uma sandes de paio. Um simples acorde de guitarra faz-me pele de galinha e levo sempre no carro uma boa provisão de Amália, Madredeus, Zeca Afonso e Fausto: fora de Portugal só oiço música portuguesa.

Amo o meu país «com todos os amores que há no amor» (como diria o meu querido Eça). Com um amor filial, porque me gerou, me acolheu, me ouviu chorar a primeira vez. Com um amor fraternal, porque ando às turras com ele, porque me chateia e porque gosto de o chatear mas compreende-me como ninguém porque cresceu comigo e eu cresci com ele. Com um amor maternal, porque os seus filhos são os filhos que eu não tenho e o seu futuro é o futuro que eu não verei.
Amo-o da única maneira verdadeira de amar: como ele é. Com defeitos, com problemas, com trapalhadas, com políticos estúpidos e com jogadores de futebol bimbos. Tal como a minha família, que tem defeitos como todas as famílias, não o trocava por nada. Gostava que ele fosse melhor? Gostava. Gostava que houvesse menos injustiça, menos pobreza, menos miséria, menos assimetrias? Claro que sim. Mas alguém (moralmente saudável) trocaria os pais pobres por outros mais ricos? Alguém trocaria os pais analfabetos por outros eruditos?
Eu não trocava o meu país por nenhum outro tal como não diria aos meus Pais, «desculpem lá mas vocês são pobres, eu vou ali pedir ao Belmiro para me adoptar».
Compreendo que haja pessoas que, em busca de uma vida melhor, saiam do país e até mudem de nacionalidade. Porém, o emigrante nunca parte a pensar em não voltar. O seu coração fica sempre cá. Emigrar não é renunciar à pátria. Para algumas pessoas a vida é mais difícil do que eu consigo imaginar e não serei eu a mandar os famintos comerem bolos quando lhes falta o pão.

O que eu não consigo aceitar e me dá a volta ao estômago é que haja portugueses que, porque gostavam de ser espanhóis (estão no seu direito), pretendam que todo o país passe a ser espanhol. Pior: pretendem que isso não só era melhor para todos (o que me inclui, contra a minha vontade) como era a única solução. Quer dizer, as pessoas seriam as mesmas, o território seria o mesmo mas, por um qualquer passe de mágica, abdicar da independência iria tornar-nos a todos mais felizes e mais prósperos.

Claro, os iberistas não gostam de responder a perguntas difíceis:
Gostariam de ser tratados no estrangeiro como cidadãos espanhóis?
Gostariam que a nossa História fosse reescrita numa versão "oficial" ibérica, passando a fazer parte da História de Espanha (como acontece com a Catalunha)?
Gostariam que os Descobrimentos Portugueses passassem a ser conhecidos como os Descobrimentos Espanhóis?
Gostariam que, quando um atleta português ganhasse uma competição desportiva, se levantasse a bandeira espanhola e se tocasse o hino espanhol?
Gostariam que a língua portuguesa passasse a ser a segunda língua oficial e apenas para efeitos domésticos?
Gostariam de ser atendidos em castelhano nos serviços públicos portugueses?
Gostariam de dirigir-se a um polícia na rua e receberem uma resposta em castelhano?
Gostariam de deixar órfãos os milhões de portugueses e luso-descendentes espalhados pelo mundo e que têm em Portugal um ponto de referência, uma raiz, um orgulho?

A maioria dos iberistas que conheço está melhor na vida do que eu. Pelo contrário, nunca, mas nunca ouvi um emigrante defender a união ibérica. Porque será?

12 julho 2007

Tempo de eleições

«Todos os jornais, na época de eleições, têm os seus candidatos predilectos. Os jornais franceses apresentam os nomes deles à adesão pública, no alto da página, num tipo enorme; os jornais portugueses diluem-nos numa prosa fluida, nos artigos de fundo. Nós temos também dois candidatos queridos.
«São:
«O Dr. João das Regras!
«O condestável D. Nuno Álvares Pereira!
«São estes dois cavalheiros — cidadãos! — a expressão gloriosa da sua Pátria: um é o seu pensamento jurídico, outro o seu valor heróico. Qual será o liberal e inteligente que recuse o seu voto a estes dois homens históricos? Valerá mais o Sr. José de Morais, ou o Sr. Coelho do Amaral?! E depois quem, como o Dr. João das Regras, velaria pelos foros populares? Quem como o condestável saberia manter a independência da Pátria? — À urna, cidadãos!
«Podem apenas pôr-nos uma objecção — pequena por si, mas que talvez influa nos ânimos timoratos — é que o doutor e o condestável morreram há quatro séculos!
«Pois bem! nós afirmamos que nada importa isso, porque eles estão em identidade de circunstâncias com a grande parte dos candidatos que se apresentam por esses círculos, de Norte a Sul do País! Sim, todos esses senhores — estão tão mortos como João das Regras, como D. Nuno Alvares Pereira!
«Debalde passeiam! Debalde falam! Estão mortos. Viver para sentir fisicamente é simples — basta que o sangue circule, que o alimento se digira, que os pulmões trabalhem.
«Mas viver para legislar e pensar é mais complexo — é necessário que a inteligência, a imaginação, a consciência trabalhem, actuem, estejam em vigor. Ora grande parte dos senhores candidatos têm aquela porção do seu ser tão morta como o Dr. Regras, ou o condestável Pereira.
«Com efeito, no sentido de legislar, organizar, dirigir um país — viver é ser do seu tempo, estar no seu momento histórico, estar na corrente de ideias da sua época, ajudar a criação social do seu século, estar na direcção do progresso e na comunhão das ideias novas. Ser legitimista de 1820, ou cartista de 36, ou cabralista de 45, ou regenerador de 51 — não é viver, é recordar-se. Ora, por este lado, quem sabe também se os mortos se recordarão?
«Por consequência, como a maioria dos candidatos estão mortos e embalsamados no seu próprio corpo — estão na categoria em que se acham os defuntos Regras e Álvares Pereira.
«Propomos pois:
«O Doutor!
«O Condestável!

«Podem todavia observar-nos que:
«Sendo verdade (como é) que os srs. deputados estão mortos no seu espírito — é também verdade que estão vivos no seu corpo — e que podem dizer presentes! na chamada — e que nesta condição não está o doutor e o condestável, os quais, sendo um punhado hipotético de pó, não podem ter a pretensão, verdadeiramente tirânica, de dizerem presentes! — como o Sr. Melício, ou o Sr. Carlos Bento, que são de carne esses!
«Pois bem! Uma vez que é necessário um vulto, um corpo, uma pouca de matéria, para que os senhores secretários os possam tomar como personalidades — propomos:
«A estátua de Camões.
«A estátua de João de Barros.
«Não nos dirão decerto que estes não tenham vulto, medida, forma e peso! À urna, pois!
«Mas podem fazer-nos sentir:
«Que se estes últimos cavalheiros têm a condição corpórea, lhes falta a condição vocal — aquela grande condição de deputado que consiste em dizer:
« — Apoiado!
«Nesse caso, como nós não temos a pretensão de provar que o bronze e a pedra sejam de uma extrema facilidade de locução — propomos:
«Dois papagaios, à escolha do Sr. Marquês de Ávila!»

(Eça de Queirós In: As farpas: chronica mensal da política das letras e dos costumes. Junho de 1871 / Ramalho Ortigão, Eça de Queiroz. Lisboa: Typographia Universal, 1871)

Transcrição com ortografia actualizada, feita a partir da 1ª edição, existente na Biblioteca Nacional de Portugal e disponível em linha em http://purl.pt/256

Este é um texto jornalístico escrito em 1871. Qualquer semelhança com acontecimentos ou pessoas actuais será mera coincidência não intencionada pela editora do blogue.

11 julho 2007

Una voce poco fa

ROSSINI, Gioacchino - Il barbiere di Siviglia. Ária «Una voce poco fa».

Às vezes, tenho o supremo azar de ouvir de manhã uma daquelas músicas que se agarram ao ouvido com unhas e dentes. Passo depois o dia a cantarolar coisas horrorosas (mas que têm honras de TSF, deve ser do sotaque brasileiro, se fossem portuguesas só passavam em rádios locais) como "o que eu gosto é de rosas" ou "eu não sei parar de te olhar". É uma coisa invasiva e insuportável.
Nos últimos dias, pelo contrário, ando a cantarolar incessantemente, com gargarejos e tudo, Una voce poco fa. Não sei que me deu "foi feitiço talvez". Deve ser um sinal: «Tens de postar isto... tens de postar isto...».
Aqui vai, numa versão que eu desconhecia, por uma senhora que nunca me foi apresentada: Ewa Podleś. Gostei.

08 julho 2007

A minha escolha

Não necessariamente por esta ordem. Foi nestas que eu votei.









P.S. em 11.07.2007: As pirâmides do Egipto não estavam a concurso. Entraram como candidato honorário devido, em primeiro lugar, a serem as únicas sobreviventes das 7 Maravilhas da Antiguidade e, por outro, à sua indiscutível importância. Não correram assim o risco de ficarem de fora como sucedeu com a Acrópole. Pelas escolhas que eu fiz dá para adivinhar que as pirâmides de Gizé seriam a minha primeira escolha, se eu tivesse podido votar nelas. Nesse caso, das 7 "maravilhas" acima, não sei bem qual teria de ficar de fora para entrarem as pirâmides. Talvez a ópera de Sydney ou o Taj Mahal. Teria de pensar bem. Mas agora já não faz diferença.

06 julho 2007

Tu serás Presidente do Conselho!

«Os Marcelos da política»
«Doze ou quinze homens, sempre os mesmos, alternadamente possuem o poder, perdem o poder, reconquistam o poder, trocam o poder... O poder não sai de uns certos grupos, como uma péla que quatro crianças, aos quatro cantos de uma sala, atiram umas às outras, pelo ar, numa explosão de risadas.
«Quando quatro ou cinco daqueles homens estão no poder, esses homens são, segundo a opinião, e os dizeres de todos os outros que lá não estão – os corruptos, os esbanjadores da fazenda, a ruína do País e outras injúrias pequenas, mais particularmente dirigidas aos seus caracteres e às suas famílias.
«Os outros, os que não estão no poder, são, segundo a sua própria opinião e os seus jornais – os verdadeiros liberais, os salvadores da causa pública, os amigos do povo, os interesses do País e a Pátria.
«Mas, coisa notável! – os cinco que estão no poder fazem tudo o que podem - intrigam, trabalham, para continuar a ser os esbanjadores da fazenda e a ruína do País, durante o maior tempo possível! E os que não estão no poder movem-se, conspiram, cansam-se, para deixar de ser – o mais depressa que puderem – os verdadeiros liberais, e os interesses do País!
«Até que enfim caem os cinco do poder e os outros, – os verdadeiros liberais – entram triunfantemente na designação herdada de esbanjadores da fazenda e ruína do País; entanto que os que caíram do poder se resignam, cheios de fel e de amargura – a vir ser os verdadeiros liberais e os interesses do País.
«Ora como todos os ministros são tirados deste grupo de doze ou quinze indivíduos, não há nenhum deles que não tenha sido por seu turno esbanjador da fazenda e ruína do País...
«Não há nenhum que não tenha sido demitido, ou obrigado a pedir a demissão, pelas acusações mais graves e pelas votações mais hostis...
«Não há nenhum que não tenha sido julgado incapaz de dirigir as coisas públicas – pela imprensa, pela palavra dos oradores, pelas incriminações da opinião, pela afirmativa constitucional do poder moderador...
«E todavia serão estes doze ou quinze indivíduos os que continuarão dirigindo o País, neste caminho em que ele vai, feliz, coberto de luz, abundante, rico, forte, coroado de rosas, e num chouto triunfante!
«Ora dá-se na política um caso singular:
«Um homem é tanto mais célebre, tanto mais consagrado, quantas mais vezes tem sido ministro – isto é, quantas mais vezes tem sido incompatível com a felicidade do país, quantas mais vezes tem mostrado a sua incapacidade nos negócios!
«Assim o Sr. Carlos Bento foi uma primeira vez ministro da fazenda. Teve a sua demissão, e não foi naturalmente pelos serviços que estava fazendo à sua pátria, pelo engrandecimento que estava dando à receita pública, etc... Se caiu foi porque naturalmente a opinião, a imprensa, os partidos coligados, o poder moderador, etc. o julgaram menos conveniente para administrar a riqueza nacional.
«Por isto foi ministro da fazenda uma segunda vez: caíu. Mostrou de novo a sua incompatibilidade ou a sua incapacidade – pelo menos assim o julgou, por essa ocasião, o poder moderador. E a importância do Sr. Carlos Bento cresceu!
«Por consequência foi terceira vez ministro: caiu; devemos ainda supor que naturalmente deu provas de não ser competente para estar na direcção dos negócios. E a sua importância política aumentou prodigiosamente.
«É novamente ministro: se tiver a fortuna de ser derrubado do poder, se tiver a extrema felicidade de ser convencido, pela opinião, de uma incapacidade absoluta, será elevado a um título, dar-se-lhe-ão embaixadas, entrará permanentemente no Almanach de Gotha. E o que não conseguiu sendo espirituoso e fino, alcançá-lo-á logo que o poder moderador, demitindo-o, tenha provado que ele é incapaz.
Honrada política! Tu é santa, bela, pura, imaculada, coberta de coisas!
«Ora tudo isto nos faz pensar – que quanto mais um homem prova a sua incapacidade, tanto mais apto se torna para governar o seu país!
«O que fará proceder o Chefe de Estado da maneira seguinte na apreciação dos homens:
«O menino Eleutério fica reprovado no seu exame de francês. O poder moderador deita-lhe logo o olho.
«O menino Eleutério, continuando a sua bela carreira política – fica reprovado no seu exame de história. O poder moderador agita-se e acena-lhe com um lenço branco.
«O caloiro Eleutério fica reprovado no 1º ano da Faculdade de Direito. O poder moderador exulta e quer a todo o transe ter com ele umas falas.
«O Sr. Eleutério fica reprovado no 5º ano. O poder moderador não pode conter o júbilo e fá-lo ministro da justiça.
«E a opinião aplaude.
«De modo que, se um homem pudesse apresentar-se ao chefe do Estado com os seguintes documentos:
«Espírito de tal modo bronco que nunca pôde aprender a somar;
«Estupidez tão espessa que nunca pôde distinguir as letras do ABC;
«Reprovações sucessivas em todas as matérias de todos os cursos;
«O Chefe do Estado tomá-lo-ia pela mão, e dir-lhe-ia, sufocado em júbilo:
«– Tu Marcellus eris! Tu serás Presidente do Conselho!»
(Eça de Queirós In: As farpas: chronica mensal da política das letras e dos costumes. Junho de 1871 / Ramalho Ortigão, Eça de Queiroz. Lisboa: Typographia Universal, 1871)

Nota: O título do artigo é o original. Transcrição com ortografia actualizada, feita a partir da 1ª edição, existente na Biblioteca Nacional de Portugal e disponível em linha em http://purl.pt/256

Este é um texto jornalístico escrito em 1871. Qualquer semelhança com acontecimentos ou pessoas actuais será mera coincidência não intencionada pela editora do blogue.

04 julho 2007

America



É desta América que eu gosto.

Nascida a 4 de Julho


Imagem tirada daqui.
Admiro profundamente os Estados Unidos. Admiro os ideais fundadores, admiro o extraordinário voluntarismo do povo americano, a imaginação, a criatividade, a ambição e também a generosidade. Se existe nação que reúne e sintetiza tudo o que de bom e de mau existe na espécie humana, essa é a nação americana.
E tanto mais os admiro quanto mais me revolta aquilo em que os Estados Unidos se tornaram. Se existir vida para além da morte George Washington e Benjamin Franklin estão a revoltar-se na tumba. Não foi, seguramente, esta nação a que eles sonharam.

02 julho 2007

Alvíssaras! Alvíssaras!

Fernandes, J. - Vénus. Opereta de Augusto Machado (1906)

Informam-se os estimados visitantes d'A Biblioteca de Jacinto que a Área de Iconografia da Biblioteca Nacional reabriu as suas portas. Brindemos ao feliz evento.