Aviso: na biblioteca de Jacinto não se aplicará o novo Acordo Ortográfico.

31 janeiro 2008

Carnaval

Este ano, toda a gente sabe, o Carnaval é muito cedo. Mais concretamente, a 5 de Fevereiro. Se repararem, todas as festas móveis (Carnaval, Páscoa e Corpo de Deus) são religiosas. O Carnaval não é uma festa cristã, propriamente dita, mas é uma festa pagã. Não é profana. Na verdade, tanto o Carnaval como o Corpo de Deus são calculados a partir do Domingo de Páscoa. Por sua vez, o Domingo de Páscoa calcula-se pela Lua: é o primeiro Domingo depois da primeira Lua cheia depois do equinócio da Primavera.

Em 2008, o equinócio da Primavera é a uma quinta-feira, 20 de Março. Dia 21 é Lua cheia. Logo, o Domingo a seguir, 23 de Março, é Domingo de Páscoa.

Desde 1900, nunca houve um Domingo de Páscoa mais cedo que 23 de Março. Só houve outro Domingo de Páscoa a 23 de Março em 1913. Nesse ano o Carnaval foi a 4 de Fevereiro - e não a 5 - porque era ano comum. Quanto a este século em que estamos, não vai voltar a ocorrer um Domingo de Páscoa a 23 de Março; nem sequer a 24. Vai apenas haver um Domingo de Páscoa a 25 de Março de 2035, se o mundo não acabar antes disso.

O Carnaval é o último dia antes do início da Quaresma a qual é um período de 40 dias que antecede a semana da Páscoa ou Semana Santa.
Quaresma vem do latim quadragesima e evoca os 40 anos que o povo judeu passou no deserto (depois da saída do Egipto) até chegar à Terra Prometida e os 40 dias de isolamento que Jesus cumpriu (também no deserto) antes de ir para Jerusalém entregar-se ao seu destino. Normalmente, diz-se que estes 40 dias da Quaresma são entre o Carnaval e a Páscoa mas basta contar os dias para verificar que não é assim. Começando a contar na Quarta-Feira de Cinzas (o dia a seguir ao Carnaval) o 40º dia vai caír no Domingo de Ramos (Domingo anterior à Páscoa), data em que os cristãos celebram a entrada de Jesus em Jerusalém. Este Domingo é chamado "de Ramos" porque os Evangelhos relatam que esta entrada se fez no meio de uma recepção apoteótica em que o povo atapetou o chão com ramos de palma.

Quanto ao Corpo de Deus, vem tão longe da Páscoa, normalmente por altura dos Santos Populares e do 10 de Junho, que ninguém se lembra de o relacionar com esta celebração. Mas também é calculado a partir da Páscoa, mais exactamente, 60 dias depois. Este ano, naturalmente, também irá ser mais cedo, a 22 de Maio, o que não deixa de ter a sua vantagem. Não temos aqueles feriados coladinhos em Junho, que permitem a muitas pessoas irem para fora durante uma semana gastando apenas dois dias de férias, mas permitem fazer uma escapadela de fim-de-semana em Maio.

30 janeiro 2008

Ghandi


(2 Out. 1869 - 30 Jan. 1948)

«Earth provides enough to satisfy every man's need but not for every man's greed»

25 janeiro 2008

Gerações

Este texto foi publicado por mim em Dezembro 2003, no blogue Bibliotecários sem Fronteiras.

Passados mais de quatro anos, depois do vendaval que têm sido as reformas de ensino "à bolonhesa" está mais actual ainda do que na altura em que o escrevi. Por isso, partilho-o de novo, com os visitantes da Biblioteca de Jacinto.

«Nos últimos tempos têm-se reformado várias bibliotecárias com quem aprendi muito do que sei. Senhoras da antiga geração que fizeram o curso no tempo em que disciplinas como o latim, a paleografia e a numismática eram consideradas essenciais. Pouco percebem de computadores e não têm hábitos de pesquisa na net. Vêm de tempos em que ser bibliotecário era sinónimo de ser culto, até erudito.

«Hoje não está na moda ser culto. Eu diria que parece mal. Falo contra a minha própria geração, claro, uma geração inculta na qual me incluo e cujos defeitos assumo. Uma geração que ainda foi a tempo de correr para se agarrar à última carruagem do combóio da tecnologia e saltar lá para dentro. Uma geração que acabou a licenciatura no tempo do DOS, que ainda passou os trabalhos da faculdade à máquina mas que teve a sorte de ser ainda suficientemente jovem para se adaptar a uma maquineta com que os miúdos de agora crescem em casa.

«Da geração a seguir à minha nem falo. O mundo deles é outro. Não sei como seria se tivesse a idade deles, provavelmente seria igual. Não cresci bombardeada com vinte e quatro horas diárias de televisão. No meu tempo havia a tele-escola durante a tarde, a partir das seis os desenhos animados e era uma festa conseguir ficar acordada para ainda ver a bandeira e ouvir o hino nacional quando a televisão pública (a única que havia) encerrava a emissão, por volta da meia-noite.
«Não havia macdonalds, as pizzas eram comida exótica e só conhecíamos o jogo da glória e a batalha naval.

«Não sou saudosista, mesmo nada. Gosto da época em que vivo, gosto de ter antibióticos, analgésicos e contraceptivos, gosto de ter telemóvel e carro, gosto de ter a Rússia, o Brasil e a Austrália à distância de um “clic”. Adoro a Internet e sinto-me absolutamente privilegiada por ter todas as facilidades com que os meus pais nunca sonharam sequer. Mas tenho pena que a minha geração, que ainda conheceu algumas das coisas boas que hoje se perderam, esteja completamente deslumbrada com este admirável mundo novo de reality shows, computadores e comida rápida, como se antes disto tivéssemos vivido na “Idade das Trevas”.

«A minha geração de bibliotecários e arquivistas vive deslumbrada com a tecnologia. Pesquisou nos catálogos manuais, roeu com os dedos as fichinhas de cartão nas gavetas da Biblioteca Nacional, tirou apontamentos até lhe doer a mão.
«Hoje prepara sofisticados instrumentos de pesquisa para os investigadores de hoje e do futuro. Que lindo!
«Acho bem. O que eu não acho mesmo nada bem é que tenham feito tábua rasa de tudo o que estava para trás e esqueçam que o conteúdo dos catálogos não é gerado pelos computadores tal como o leite não é produzido pelos pacotes “Tetra Pak”.

«Voltando às bibliotecárias reformadas.
«Estas senhoras levam com elas, para o sossego dos seus lares, para o afago dos seus netos, um conhecimento que já ninguém tem. Levam-no porque não têm a quem o deixar. Ninguém quer saber. A minha geração é superior a isso. Saber identificar um fragmento de um manuscrito? Não interessa para nada! Saber reconhecer um incunábulo escondido numa encadernação? Para quê?!? Conhecer a liturgia própria do tempo de Pentecostes? Isso só interessa aos padres!!!

«O que queremos é perceber de programação, de digitalização, os códigos todos, os campos e os sub-campos, o hipertexto, os protocolos de troca de dados, o XML ou o que vier depois.

«São semelhantes a um cozinheiro que se dedicasse a conhecer profundamente a tecnologia dos microondas, dos fornos eléctricos, das placas de indução, das batedeiras e dos frigoríficos no frost mas não soubesse cozinhar. Tem de saber usá-los? Claro. O conhecimento culinário é essencial para o desenvolvimento destas tecnologias? Sem dúvida. Estas tecnologias contribuem para o desenvolvimento da arte e da técnica culinária? Com certeza.
«Mas o cozinheiro tem de saber cozinhar, seja num microondas, seja num forno a lenha. O seu saber específico é a culinária, não é a tecnologia de microondas.

«Actualmente não conheço qualquer curso de Ciências Documentais em Portugal que ensine a catalogar um impresso do século 17. Há jovens bibliotecários que não sabem o que é um incunábulo, não querem saber e têm raiva de quem sabe. Latim, então, nem vê-lo. O grecus est non legitur dos escolásticos aplica-se perfeitamente aos actuais especialistas da informação, só que agora o que não se lê é o latim. Quanto à paleografia, existe em um ou dois cursos e está reservada aos que seguem arquivo como se os bibliotecários não precisassem desse conhecimento. História do Livro existe nos cursos mais antigos, é uma disciplina semestral, passada a correr, os nomes dos impressores e os locais onde se desenvolveu a tipografia percorridos como numa ladaínha, sem contexto, sem aplicação, como se fosse uma disciplina do passado que é preciso ter porque não se pode reformar o professor à pressa, coitado.

«Poderia alguém menos prevenido sugerir que, enfim, talvez já estivesse tudo inventariado, já estivesse tudo feito, já estivesse tudo estudado… mas não. Está TUDO por fazer! Há milhares e milhares de impressos antigos, códices e documentos arrumados para um canto em bibliotecas e arquivos e ninguém lhes toca porque ninguém sabe o que fazer com eles. São dois e não um os conhecimentos que se perdem: o conhecimento de como tratar esses documentos e o conhecimento que esses documentos contêm.

«O conhecimento necessário para tratar esses documentos está na mente, na cultura, na memória dessas senhoras que agora o levam consigo. São conhecimentos que se transmitem bouche-oreille, no paciente trabalho do dia a dia, no contacto com as espécies, no seu manuseamento, na consulta das obras de referência. Quanto conhecimento que não passa!
«Quem quer aprendê-lo na voragem destes dias tecnológicos?
«Quem o vai recuperar?
«À porta de quem vamos bater agora, quando não soubermos identificar o fragmento manuscrito?
«Quem vai responder, depois de uma breve e atenta observação: «Hum… isto é do Santoral. Esta frase aqui pertence à Antífona da Degolação de São João Baptista só que não tem o início. Veja no Liber Usualis, em Da mihi in disco… para confirmar».
«Quem vai continuar estes conhecimentos?

«Boas e queridas "bibliotecárias de cabelo apanhado e óculos na ponta do nariz": perdoem-nos!»

(17 Dezembro 2003)

23 janeiro 2008

É um blogue muito bom, sim senhora!

A biblioteca de Jacinto foi amável e imerecidamente galardoada com o prémio "É um blogue muito bom, sim senhora!"


pelo blogue amigo Confidências. Parece que o objectivo deste "prémio" é promover a amizade e interacção na blogosfera.

Manda etiqueta bloguística que o galardoado nomeie cinco blogues para este «galardão». Obviamente que, entre os nomeados não pode estar o que nos nomeou. É mais ou menos como aquela brincadeira que tínhamos na primária do «passa a outro e não ao mesmo» mas sem a estalada.

Escolher cinco blogues é difícil porque há mais do que cinco blogues que visito regularmente, porque nem sempre um blogue de que eu gosto por uma razão particular é um blogue de interesse generalizado e porque estas coisas são sempre complicadas.

Assumindo, assim, que tenho de escolher, no máximo, cinco blogues, vou seleccionar, sectariamente q.b., dois blogues de bibliotecários, dois blogues generalistas e um blogue especializado.

Aqui vai, sem ordem de preferência:

O Bibliotecário Anarquista, de Adalberto Barreto.
O Papalagui, de Nuno Marçal.
Dias que Voam, de vários autores.
KØNTRÅSTËS, de João Ferreira Dias.
Indústrias Culturais, de Rogério Santos.

E pronto, agora, caros nomeados, passem a outro e não ao mesmo.

22 janeiro 2008

Ilustração Portuguesa

Acabo de descobrir, por mero acaso, este blogue absolutamente delicioso. Não tenho feito muitos posts sobre outros blogues mas fiquei tão contente de encontrar este que não podia mesmo deixar de o destacar.

A primeira lua cheia do ano

Fonte: California State University, Fresno

Sim, gosto mesmo muito da Lua...

11 janeiro 2008

Modernices de linguagem: Evidência

Evidência (do inglês evidence) em vez de prova ou indício. Desde quando é que todas as provas são evidentes e o que é evidente prova alguma coisa?

08 janeiro 2008

O milagre da Terra Santa

Já foi há bastantes anos que tive nas mãos um precioso exemplar do incunábulo Peregrinatio in Terram Sanctam de Bernardus de Breidenbach (Mainz: Erhard Reuwich, 1486). Na ocasião, uma certa gravura me chamou a atenção: uma mulher vestida de forma exótica cujo rosto me lembrava alguém.

Fonte: http://webdoc.sub.gwdg.de/ebook/q/2003/Karten/html/kat38_zoom.htm

Tratando-se de uma xilogravura, a qualidade do retrato não seria a melhor mas é quase certo que a senhora que serviu de modelo ao artista não seria muito diferente desta sua sósia do nosso tempo:






Uma dúvida permanece: seria uma sósia do Séc. 15 ou seria a própria Cher, nos seus tempos de juventude? É que uma peregrinação à Terra Santa faz milagres mas a cirurgia plástica também...

03 janeiro 2008

Concerto do Arsis


O Grupo Vocal Arsis vai actuar em Lisboa, na Igreja de Santa Catarina do Monte Sinai (Calçada do Combro), este Sábado às 9 da noite. Já comecei a afinar a voz.

1988

1988 foi um dos anos mais marcantes da minha vida pessoal. Por uma razão ou por outra, tudo o que é a minha vida hoje (desde a profissão que tenho à pessoa com quem casei) teve o seu ponto de partida nesse ano. E não, não foi o ano em que escolhi o curso nem foi nesse ano que entrei para a faculdade. Pelo contrário, em 1988 acabei a licenciatura por isso essa parte já deveria estar definida há, pelo menos, uns quatro anos. Também não foi nesse ano que decidi fazer a Especialização em Ciências Documentais. Pelo contrário, nunca tinha pensado em ser bibliotecária e só entraria para esse curso em 1992, para a variante de Arquivo. Também não foi em 1988 que conheci o meu marido ou quem mo apresentou. Não foi nada tão óbvio.
Quando recuo nas minhas memórias, reconstituindo um encadeado de acontecimentos em sentido inverso, chego a um ponto, um momento, uma conversa curta e aparentemente irrelevante, um fait divers, algures em finais de Maio, cujas consequências não poderia prever no momento, nem pude avaliar durante muito tempo mas que me permitem hoje, a esta distância, afirmar com toda a segurança: se não tem sido esse momento, a minha vida hoje seria outra. Melhor ou pior não sei. Seguramente, outra.
Preocupamo-nos tanto com as grandes decisões que tomamos na vida - o curso, o emprego, a casa... - porque achamos que ali está toda a nossa vida. No entanto, o ponto de viragem, o momento absolutamente decisivo, aquele a partir do qual tudo se define pode estar na escolha banal entre ir tomar um café ou ir ao cinema. Sem nos apercebermos, podemos estar a "mudar a agulha" e a traçar o nosso destino.
Nunca sabemos a verdadeira dimensão dos nossos passos.

Ano novo

A Biblioteca de Jacinto tem estado com a porta encostada. As últimas semanas têm sido complicadas. Não necessariamente más, mas complicadas, por várias razões.
Para aqueles visitantes que vêm cá espreitar, entreabrem a porta e encontram a Biblioteca com um ar meio abandonado, peço desculpa. Não merecem esta desconsideração.
Neste novo ano, espero retomar a minha presença assídua na biblioteca de Jacinto. Escanqueirar a porta e receber-vos com um cafézinho.