Aviso: na biblioteca de Jacinto não se aplicará o novo Acordo Ortográfico.

29 fevereiro 2012

216 anos da Biblioteca Nacional de Portugal

«O Alvará régio de 29 de Fevereiro de 1796 fundou a Real Biblioteca Pública da Corte, a mais antiga antecessora formal da BNP. A primitiva instituição recebeu, como núcleo original, a Biblioteca da Real Mesa Censória, criada em 1768. O referido diploma conferiu-lhe a natureza de Biblioteca Pública, tendo a mesma sido instalada no Torreão Ocidental da Praça do Comércio (Terreiro do Paço).

Durante a primeira fase da sua existência, a Real Biblioteca beneficiou, além das dotações do orçamento régio, de doações privadas e de obras entradas por via da aplicação da primeira lei de depósito legal (1805), que tornou extensiva às tipografias a obrigatoriedade de depositarem um exemplar de todas as obras que imprimissem.

Com a vitória dos liberais e a extinção das ordens religiosas (1834), a Instituição foi transformada em Biblioteca Nacional de Lisboa, incorporando no seu acervo, por determinação oficial, a totalidade ou parcelas das livrarias de numerosos mosteiros e conventos. O afluxo de grandes colecções tornou imprescindível a sua transferência para um local mais espaçoso, tendo a escolha recaído no Convento de S. Francisco.

Durante os mais de 130 anos em que funcionou no Chiado, a BNL conheceu épocas de modernização e enriquecimento, bem como períodos sombrios e letárgicos. Devem salientar-se os esforços desenvolvidos no século XIX para absorver as colecções dos extintos estabelecimentos religiosos, organizar exposições bibliográficas e publicar catálogos de diversas colecções.

Na sequência da proclamação da República (1910) ocorreu um novo surto de incorporação de livrarias de congregações religiosas extintas. No período de 1920-1926, a Instituição conheceu uma fase de grande actualização biblioteconómica e de florescimento cultural promovido pelo chamado «Grupo da Biblioteca».

O crescimento das colecções e a necessidade de condições de conservação adequadas ao rico espólio à sua guarda tornaram imperiosa a construção de um edifício de raiz destinado a instalar condignamente a maior colecção bibliográfica portuguesa. Com projecto do arquitecto Porfírio Pardal Monteiro, as obras iniciaram-se em 1958, tendo a transferência para o edifício do Campo Grande ocorrido em 1969.

Na década de oitenta iniciou-se o processo de informatização da Biblioteca, concomitante com o projecto mais alargado de apoio às bibliotecas portuguesas nessa matéria, de que resultou a criação da Base Nacional de Dados Bibliográficos – PORBASE. A par da adaptação à evolução tecnológica, a Instituição continuou a enriquecer as suas colecções – com destaque para a criação de um Arquivo de Espólios –, tendo, também, desenvolvido significativas iniciativas nas áreas da normalização biblioteconómica, da preservação e conservação e das actividades culturais.

No início do presente século, a Instituição acompanhou a tendência internacional para a digitalização de fundos, tendo criado a Biblioteca Nacional Digital (BND) que se encontra em permanente crescimento e em articulação com instituições europeias.


Com mais de 200 anos, a BNP iniciou, em 2007, um processo de reestruturação que visa contribuir para o enriquecimento e divulgação do património bibliográfico nacional, bem como para modernizar, racionalizar e incrementar o seu funcionamento com vista a servir o público, a comunidade profissional, e os editores e livreiros.»

(Fonte: sítio da BNP)

25 fevereiro 2012

Sei que dormes em paz

Deste-me o nome e a lua
A lua não tem morada
Alumia qualquer rua
Mas só a mim me foi dada

Não entendo onde tu estás
Nem porque chegaste ao fim
Não entendo onde tu estás
Mas sei que dormes em paz
Descansas dentro de mim

Já nasci com a saudade
Nada mais herdei de ti
Deste-me o nome e a idade
Da lua quando nasci

Não sei se há lugar no céu
À minha espera ao teu lado
Não sei se há lugar no céu
O lugar que Deus me deu
Para viver é o Fado

("Fado da herança". Poema de João Monge para música de Alfredo Marceneiro)

17 fevereiro 2012

«É raro encontrar épocas em que a generalizada decadência dos valores seja tão vasta como hoje. Nas grandes crises do passado pode ter havido infracções generalizadas de preceitos morais ou discrepâncias graves acerca dos valores a defender mas não se punha em causa a bondade dos valores em si mesmos nem se podia admitir que uma sociedade pudesse viver sem eles. Houve lutas implacáveis em nome de sistemas de valores opostos entre si mas não descrença na sua eficácia ou na sua necessidade para a integração do indivíduo na sociedade e a preservação do bem comum. [...]
Hoje, porém, põe-se em causa a própria fundamentação teórica da escala de valores que herdámos do passado; essa dúvida estende-se a todo o globo terrestre porque afecta uma civilização, a europeia, e esta tornou-se universal. Não se trata só de verificar a ineficácia prática dos valores ou a incapacidade de qualquer instância moral suficiente para os ditar [...].
Pense-se nos valores transcendentais de bem, de beleza ou de justiça e nos mais políticos (isto é, relativos à polis) de liberdade, progresso, democracia, solidariedade, bem comum ou autoridade. Fala-se muito nestes ideiais mas os discursos não persuadem ninguém. Julga-se que quem mais os invoca é quem menos acredita neles. [...]
Uma análise global do mundo de hoje conduz, portanto, a uma visão terrivelmente pessimista do futuro.»

(José Mattoso, 2000)

15 fevereiro 2012

«Sobre as mulheres brrabas.
[...] que porquanto as mulheres que são bravas e de más linguas com sua soberba dizem muitas coisas malditas que não são, com que afrontam a muitas mulheres e homens de que se segem grandes damnos e brigas e diferenças e mortes e ferimentos. E de suas ruins linguas resultam grandes prejuizos que para isto se evitar; que nenhuma mulher nas praças nem nas ruas nem de suas... casas nem de suas portas ou genelas adoeste nem chame nenhuns nomes a nenhuma outra mulher de qualquer qualidade e condição que seja nem a nenhum homem sob pena [...] de 500 rs [...] ainda que seja compreendida em adoestar por acenos e remoques. E a que for compreendida em terceira vez será presa e da cadeia pagará a dita pena e além disso será enfreada com um freio na boca.»
Despacho da Câmara Municipal de Beja, Lv. 1º (1604-1735). In Arquivo de Beja. Vol. 15 (1958)

07 fevereiro 2012

«As mulheres portuguezas são singulares na formusura e proporcionadas no corpo, a côr natural dos seus cabellos é a preta, mas algumas tingem-n'os de côr loira; o seu gesto é delicado, os lineamentos graciosos, os olhos pretos scintillantes, o que lhes accrescenta a belleza; e podemos affirmar com verdade que em toda a peninsula as mulheres que nos pareceram mais formosas foram as de Lisboa; posto que as castellanas, e outras hespanholas arrebiquem o rosto de branco e encarnado, para tornarem a pelle, que é algum tanto ou antes muito trigueira, mais alva e rosada, persuadidas de que todas as formusuras são feias. O trajo feminino em Lisboa é o commum de toda a Hespanha, isto é o manto grande de lan ou de seda, segundo a qualidade da pessoa. Com elle cobrem o rosto e o corpo inteiro, e vão aonde querem, tão disfarçadas que nem os proprios maridos as conhecem, vantagem esta que lhes dá maior liberdade do que convem a mulheres bem nascidas e bem morigeradas.»

Viagem a Portugal dos Cavalleiros Tron e Lipomain, ca 1580, In. "A tradição : revista mensal d'ethnographia portugueza ilustrada. A. 4, n.º 7 (Julho 1902)

03 fevereiro 2012

A voz da maioria silenciada

Uma vez conhecida a notícia de que o recém-empossado presidente do Centro Cultural de Belém fez distribuir ontem à tarde uma circular interna na qual dá instruções aos serviços do CCB para não aplicarem o Acordo Ortográfico e para que os conversores sejam desinstalados de todos os computadores da instituição, uma onda de comentários percorreu a principal rede social da Internet.
O Dr. Graça Moura acaba de fazer o que a maioria dos portugueses há muito desejava ver feito por alguém com poder para isso, contrariando a velha máxima segundo a qual a maioria dos problemas não se resolve porque «quem quer não pode e quem pode não quer».
O movimento contra o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990 (AO90) foi encabeçado, desde a primeira hora, por Vasco Graça Moura e pela nata dos intelectuais portugueses, desde linguistas, escritores e poetas a professores, historiadores, artistas plásticos, músicos, cientistas e jornalistas. As assinaturas para a Iniciativa Legislativa de Cidadãos contra o AO90 estão a ser recolhidas há anos e crescem a "passo de caracol" devido à pouca esperança que os portugueses costumam ter no exercício da cidadania. No entanto, hoje pode ser o ponto de viragem. Todas as iniciativas contra o AO90 pareciam, até agora, votadas ao fracasso. Em conversas de café e em comentários no Facebook, o que predominava era a ideia de que nada valia a pena contra o rolo compressor dos interesses económicos e que todos os que discordam do AO90 acabariam, cedo ou tarde, por ceder, fosse pelo hábito, fosse pelo medo de retaliações (mormente na Administração Pública onde o receio de processos disciplinares por desobediência é fundado) fosse para não ir contra interesses instalados. Ouvi numerosas vezes dizer que toda esta luta não era mais do que um descargo de consciência.

Para surpresa de muitos, o Dr. Vasco Graça Moura fez o que não é costume fazer-se: ser coerente. Sem rodeios, deu ordens, na instituição a que preside, para que o Acordo Ortográfico não seja aplicado. Nada de paninhos quentes, nada de politicamente correcto, nada da vulgar "conversa da treta" com que se sempre enganam os tolos. Assumiu o lugar e, ao contrário do que é normal, agiu de acordo com o que tinha andado a defender.

Esta medida teve o efeito de um rastilho: trouxe o acordo para a agenda mediática com uma dimensão inédita e está a provocar uma onda de alívio e esperança nas redes sociais. Até aqui, todos os que estão contra o AO90, todos os que se têm sentido injustiçados e até violentados pela obrigação de o aplicar nos seus locais de trabalho, todos os que se sentem espetados na alma de cada vez que lêem "espetador", todos nós - e somos muitos! - nos sentíamos como mudos esbracejando para avisar de um incêndio.

O Dr. Vasco Graça Moura acaba de dar voz à maioria silenciada dos portugueses.

02 fevereiro 2012

Versão de "O Mostrengo" (de Fernando Pessoa), dedicada ao "corretor"/"conversor" LINCE

Com a devida vénia à autora, Madalena Homem Cardoso.

«O “corretor” lince que eu não quis instalar
Varreu o ecrã, ergueu-se a voar;
À roda do texto veio três vezes,
Roubou três letras a chiar,
E disse: «Quem ousa desafiar
As minhas razões que nem eu entendo,
Meu lápis invisível infecundo?»
E ao leme da tecla eu disse, tremendo:
«Séculos de Língua Portuguesa no Mundo!»

«De quem são as letras de que troço?
De quem o linguajar que leio e ouço?»
Disse o “corretor” lince, e arrotou três vezes,
Três vezes arrotou imundo e grosso.
«Quem vem escrever como não posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
Instalado no medo, mas do nada oriundo?»
E ao leme da tecla tremendo, eu disse:
«Séculos de Língua Portuguesa no Mundo!»

Três vezes do teclado as mãos ergui,
Três vezes ao leme de mim escrevi,
E disse no fim de tremer três vezes:
«Tremo com fúria, sou mais do que eu:
O que este Povo escreve não é teu;
Mais que o raivoso lince que me a alma pisa
Mutilando palavras furibundo,
Mandam as raizes que erguem a divisa,
Séculos de Língua Portuguesa no Mundo!»

(Madalena Homem Cardoso, a partir de “O Mostrengo” de Fernando Pessoa”)